UMA CINQUENTONA NA MICARETA
Então chegou o tão esperado dia! Depois de quase trinta anos sem pular um carnavalzinho sequer, eu ia com a minha filha para a primeira micareta da minha vida! Além da expectativa de ir para um carnaval – algo que eu curti desesperadamente, antes de conhecer e me casar com o Elias – havia o fato de que era uma micareta em Itabirito, minha linda terra natal, encravada entre as serras do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais!
Aí, sabe como é... Eu ia com minha filha e a gente, quando tem filhos, se enche de orgulho e quer mostra-los para os amigos! Mais ainda quando esses são amigos queridos da infância e da juventude que não se veem há alguns anos!.
Ah... E não era só um carnaval! De quebra eu ia assistir a um grande show e dançar nada mais, nada menos, com a rainha, a deusa, a diva Ivete Sangalo, de quem, não sei se deu para perceber, sou muito, muito fã!
E lá fomos nós: compramos o ingresso para o camarote, arrumamos às malas e fomos para Itabirito curtir o meu primeiro CARNABIRITO, naquele sábado de fevereiro do ano de 2014.
Fonte: http://queromeuingresso.com.br/images/evento/imagem2-grd/carnabirito-2015-394.png (adaptado. Acesso em 18 jan. 2016)
Cheguei à cidade na sexta-feira com a minha filha, para ter tempo de mostrar-lhe, com calma, o MEU lugar e para pegar os tais abadás (Novidade para mim que, até então, nunca havia vestido um, já que em meus tempos de foliã só haviam fantasias).
Bom, mas tudo é festa e eu estava ansiosa para ver o que essa garotada tanto ama e para saber como é curtir junto com eles o carnaval. Eu já estava me sentindo "a" mãe antenada, "modernosa" e muito metida a besta!
Fomos pegar o abadá e a minha filha foi customiza-lo (outra novidade para mim). Deixei. Afinal, sempre aprecio a ajuda de quem tem mais experiência que eu e, nesse caso era a minha Bebel, à época com 20 anos, sendo 33 anos mais jovem que eu.
Ao vestir o tal abadá fiquei um pouco decepcionada. Para ser muito gentil com a minha pessoa, devo confessar que aquela roupa não me favoreceu. Sou uma cinquentona que, como boa parte das mulheres que já teve filhos, não tem grana, tempo e/ou disposição para horas de malhação; não ostenta mais as formas e aquela magreza que mantive até os meus trinta e poucos anos.
Abadás (não customizados) da festa
Fonte: http://sounoticia.com.br/wp-content/uploads/2014/01/abada1.jpg (acesso 17 janb. 2016)
Confesso que não sou neurótica com essas questões. Recentemente descobri, pela internet, que a onda agora é cultivar uma tal "barriga negativa", algo que não cogito ser possível para a minha pessoa, ainda que eu passe a me alimentar exclusivamente de luz, pelo tempo que me resta nessa e na próxima encarnação.
Entretanto, aquela roupa não se adequava às minhas formas!!! Talvez seja porque, ao invés de barriga negativa eu tenha adquirido "costas negativas" do tipo que empurram a barriga para frente. Vai saber...
Isso seria uma barriga negativa... Euzinha com uma dessas hoje? Nem em sonho!!!
Olhei-me no espelho. Não gostei do que vi, mas decidi que não ia me deixar abalar por esse "detalhe". Afinal eu ia, pela primeira vez, assistir a Ivete Sangalo ao vivo. E isso bastava!
Reservei a tarde de sábado para descansar e me preparar para o evento. À noite, eu, minha filha, minha irmã, meu cunhado, sobrinha e duas amigas queridas Taninha e Juju partimos para a festa.
O evento foi aberto por uma dupla do tal "sertanejo universitário", que já se apresentava quando chegamos ao camarote.
Tive aí o meu primeiro choque cultural.
Explico-me: quando eu tinha a idade daquela garotada que estava ali, ouvia basicamente música brasileira e, graças à professora Nádia Reis e ao meu tio Vavá, que me deram aulas deliciosas de MPB, me mostrando a história da vida de seus ícones, ouvi e conheci toda a Jovem Guarda e outros baianos famosos da época como Gil, Simone, Gal, Bethânia, Caetano, Pepeu... Além de ídolos que eram admirados pela geração dos meus pais, que me foram trazidos pelo tio Vavá. Ídolos esses que ainda contam com a minha admiração, embora eu tenha aberto espaço para uma nova geração de artistas como Roberta Sá, Maria Gadu, Diogo Nogueira, Zeca Baleiro, Ivete e outros. Mas não é só isso. Tento sempre - na medida do possível e sem trair os meus valores - me adequar à modernidade. Como eu convivo muito com os amigos de meus filhos, que vivem fazendo festa aqui em nossa casa, trazendo suas músicas preferidas e/ou as mais mais do momento, eu me achava "A" coroa antenada. Engano meu!
E eu estava, me esbaldando, em algum lugar no meio dessa multidão...
Fonte: https://c2.staticflickr.com/8/7419/12307488425_0a10be928b_b.jpg (acesso em 16 jan. 2016)
De repente lá estava eu num lugar super lotado com pessoas de todas as idades, mas de maioria jovem. Nada novo, não é? A tal dupla sertaneja se apresentava no trio elétrico que tocava num volume capaz de acordar seres viventes em outra galáxia e cantava músicas que eu jamais tinha escutado. Até aí, tudo bem. O pior é que todo mundo parecia saber as letras de todas as canções, menos eu.
Que lástima! Senti-me excluída da turminha. Mas, ainda assim, não desanimei. Ivete viria em seguida.
Passados uns 40 minutos, ouço a maior euforia na pista. Entrava o trio da Diva. A princípio achei o som baixo e ainda pensei: como assim? O trio DELA não pode ser menos potente que o dos garotos que se apresentaram antes!
E lá estava a minha "ídola" na MINHA cidade! Olha que luxo!
Fonte: http://sounoticia.com.br/wp-content/uploads/2014/02/ChamadaIvete.jpg (acesso em 18 jan. 2016)
O fato é que me esqueci do volume e caí na gandaia. Como súdita da rainha, obedeci a todos os seus comandos: pra cima, pra baixo, pulando, dançando... "dançando, dançando, dan dan dan dan dan dançando"... E eu junto, empolgada, como se não houvesse amanhã...
Dancei, me emocionei com o carinho que Ivete dispensou a todos os fãs daquela cidadezinha do interior de MG e o respeito que só um grande artista que conseguiu sucesso internacional, dotado de muita humildade e talento consegue demonstrar àqueles que o admiram. Ao contrário de outros artistas brasileiros que, por aparecerem na TV Globo algumas vezes na vida, deixam de dar autógrafos, de atender aos fãs que lhes sustentam!!! Ela não. Fez questão de conversar, durante a apresentação, com a menina cadeirante que se esforçava para vê-la e pediu para sua equipe levá-la, até seu carro depois do evento, a fim de, antes da sua partida da cidade, Ivete pudesse conhecê-la pessoalmente.
Mas enquanto o show acontecia, lá estava eu, esquecida das fragilidades impostas ao corpo pela minha idade e esbaldando-me!!! Literalmente, enfiando o pé na jaca!
Terminada a farra, fomos para casa. O carro estava estacionado há uns oitocentos metros dali, porque havia grande área interditada no entorno.
Aí, não deu outra, a realidade me bateu na cara e, por pouco, não me nocauteou!
Foi então que me dei conta de que meu joelho doía e meus pés se recusavam a pisar o chão. Além disso, eu estava surda. Me dei conta de que não era o som do trio da Ivete que estava baixo! Aquilo já era a surdez se anunciando em mim! Eu não ouvia bem o que as pessoas falavam. Temi ter adquirido surdez permanente!
Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-T9W3tHghxSo/Uw_jjGDog2I/AAAAAAAAETA/pVVOJSDVWqA/s1600/Charge+0324.png (acesso em 18 jan. 2016)
Chegando à casa da tia Cida, que nos recebeu com o carinho de sempre, tomei um banho e tentei dormir. Mas o som dos trios permanecia em meus ouvidos. Eu estava surda, mas ao mesmo tempo, havia trazido os alto falantes dos trios comigo. Como isso era possível? Os meus pés doíam; os braços doíam; a cabeça doía...
Voltamos para BH no domingo. Eu não era NADA. Tinha me tornado um farrapo humano. Fui dormir domingo à tarde e só acordei na segunda-feira para ver minha filha sair para o seu primeiro dia de faculdade e desejar-lhe boa sorte.
O fato é que, na segunda-feira, eu já havia me recuperado um pouco. Estava agradecida por não ser consumidora de nenhum tipo de bebida alcoólica, do contrário, penso que meus filhos teriam ficado órfãos de mãe.
Saldo da festa: um joelho inchado e o outro ameaçando se revoltar por sustentar sozinho o peso do meu corpo; os ouvidos avariados, mas a audição foi retornando aos poucos e, dois dias depois já estava normal. Precisei agendar consulta com ortopedista.
A banda Chiclete com Banana tem uma música cuja letra pede: "então diga que valeu"... Apesar de tudo, eu responderia ao Chiclete com Banana: eu digo sim que valeu. Valeu demais!!!
Repetir a dose? Claro que sim. Eu já disse que não pretendo morrer sem passar, pelo menos um carnaval em Salvador.
Aí me perguntam se eu teria mesmo coragem de me arriscar de novo. E eu respondo: mas é lógico que sim.
Pego-me pensando nas letras das músicas das micaretas, cujos ritmos e letras nos "empurram" para a farra, como o "Berimbau Metalizado", cantado pela Ivete .
https://www.youtube.com/watch?v=uIK5nyM5_Pg
Claro que repetirei a dose, só espero não ficar surda, em definitivo, impossibilitada de ouvir o som do trio e nunca mais conseguir identificar qual é o "som mano, que o povo tá dançando que vem de lá pra cá?" Ou para não passar toda a quaresma só "arrastando (o que restou de) toda (minha) massa (muscular)". Afinal de contas eu só quero mesmo é "viver e não ter a vergonha de ser feliz".
Sinceramente, eu não sou dona da verdade, mas acho que, nesse caso, eu estou coberta de razão.
Observações: decorridos 7 anos desse evento, em pleno governo Bolsonaro e vendo Ivete se isentando frente a um governo genocida, que vem - deliberada e minunciosamente - destruindo o Brasil, nossa cultura e nossa gente, cada dia mais empobrecida e abandonada, não consigo mais vê-la como ícone.
Ao contrário. Hoje, aos 60 anos, eu voltaria sim a uma micareta comendada por outros artistas engajados na luta pelo nosso país, pela nossa democracia, pela nossa rica e diversificada cultura, pelos direitos, pelo respeito e bem-estar de todos nós, brasileiros. Especialmente desse povo que sustenta o sucesso e a boa vida de artistas como Ivete Sangalo.
Ela perdeu totalmente o meu respeito e minha admiração.
A sabedoria da idade deve ser para compensar o estrago de todo o resto. Como diz a Giovana Deus precisa atualizar a versão porque agora vivemos até o cem anos mas o sistema só está programado para 50.
ResponderExcluirA sabedoria da idade deve ser para compensar o estrago de todo o resto. Como diz a Giovana Deus precisa atualizar a versão porque agora vivemos até o cem anos mas o sistema só está programado para 50.
ResponderExcluirGiovana não nega a raça, não é Roní? Oh DNA privilegiado dessa garota. Tão jovem e tão sábia!
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