ÔH TREM DANADO DE BOM, SÔ!!!


Os trens sempre foram importantes em minha vida e na vida de minha família. Meu pai, o meu avô paterno e meu avô materno, além de tios – tanto da família de minha mãe, quanto do meu pai – sustentaram as famílias trabalhando, até a aposentadoria, na extinta Central do Brasil.
 Confesso que guardo certa nostalgia dos trens nos meus tempos de criança. Eram eles que traziam a maior parte das notícias, das pessoas e todo o tipo de mercadoria. A chegada do trem era quase uma festa na estação! A vida na cidade parava porque sabíamos que ali estariam as novidades, os amores distantes, a carta esperada, o amigo saudoso, o operário cansado, as boas e as más notícias.

Estação ferroviária de Itabirito - MG (Acervo pessoal)

Naqueles tempos a TV ainda não tinha dominado as nossas vidas, nem as rodovias tinham a importância que desfrutam hoje.
Para o meu olhar de criança, o trem não era um meio de transporte, era quase um ser vivo! Ele era responsável por algumas de nossas maiores emoções: a alegria do encontro e a tristeza da partida. 

Estação ferroviária de Mariana - MG
(Fonte da Imagem: http://i1.trekearth.com/photos/37939/estacao_mariana_do_trem.jpg - acesso em 13 jan 2016)
 Lembro-me de das viagens de trem que eu e minha irmã fazíamos com papai. Íamos de Itabirito para Mariana numa viagem que, de carro, pode ser feita atualmente em pouco mais de uma hora, mas que, no trem de antigamente, levava quatro ou cinco horas. Isso quando o trem não descarrilava!
As pessoas daquela época – início dos anos 1960 – olhavam com certa estranheza aquele homem, com seus trinta e poucos anos viajando sozinho, todo cuidadoso, cheio de carinho e atenção, com duas meninas tão pequenas! Eu, com uns cinco anos de idade, e minha irmã com uns dois anos e meio mais ou menos. Naquela época, não era comum ver os homens ajudando a cuidar dos filhos, a não ser que fossem viúvos, o que não era o caso do "seu" Celso. Ele nos levava de trem para passar férias na casa da vovó Vivila, em Mariana. Nós íamos cantando as músicas da jovem guarda na janela do trem e as pessoas acabavam engrossando o coro daquelas duas pequeninas que pareciam ter um repertório infinito.
Lembro-me de uma vez em que o trem descarrilou num lugarejo que se chama Miguel Burnier - um distrito de Ouro Preto. Foi uma festa para nós! Descemos do trem e nos pusemos a correr pela estação, brincando com outras crianças, enquanto esperávamos que resolvessem o problema para seguir viagem. De repente começou a chover. Eu e as outras crianças fomos para junto do papai, porque haviam muitos raios e trovões. Ficamos juntos até que tudo se acalmasse. 

Estação Ferroviária de Miguel Burnier - MG
Fonte da imagem: http://www.portalmariana.org/wp-content/uploads/2013/09/ouro-preto-miguel-burnier-recebe-a-5a-edicao-do-festival-cultural.jpg (acesso em 13 jan. 2016)
Quando as coisas se ajeitaram e o chefe da estação avisou que podíamos reembarcar, vi meu pai empalidecer. Ele andava de um lado para o outro na estação. Notei que ele estava transtornado e disse:
- Pai, o que aconteceu? Por que a gente não vai se todos já foram? Não vamos mais para a casa da vovó?
Ele respondeu:
- Não é nada filha, nós já vamos! Só preciso encontrar uma coisa que perdi. Fique calma que tudo vai dar certo!
Andou pela plataforma da estação por mais alguns minutos, disfarçou, tentou me distrair e, como funcionário da antiga Central do Brasil, conseguiu que o chefe da estação atrasasse a partida do trem por alguns minutos. Ele estava apavorado e eu ouvi quando ele disse ao chefe que precisava encontrar sua filha mais nova. Ela havia saído de perto enquanto ele cochilou por uns segundos, sentado no banco da estação, aguardando a liberação do trem. Quando ouvi isso dei um grito que o assustou:
- Pai! Venha aqui! Olhe ela está dormindo!
Abri a mala verde (horrorosa, por sinal! Rs.) feita de compensado e revestida de nylon e lá estava a nossa pequenina, já começando a acordar, devido a toda aquela movimentação.



Aliviado ele a tomou nos braços, ajeitou a mala e entramos no trem, já animadíssimas para começar a entoar mais um sucesso da bossa nova. E lá fomos nós em alto e bom (Será?) som “O piquenique foi bom... mas a volta é que foi tão triste, briguei com meu amor na estação e no trem ela voltou a chorar...”

Comentários

  1. Sempre digo que o trem faz parte do meu DNA. Sou filha, neta e sobrinha de ferroviários. Casei com um ferroviário, cujo o bisavô veio para o Brasil trabalhar na construção da ferrovia e assim começou uma dinastia que se prolongou pelos filhos, netos e bisnetos. Amo tanto os trens que mesmo estando fora de Minas há uma década mantenho o hábito de usar a palavra trem para designar toda e qualquer coisa.

    ResponderExcluir
  2. Sempre digo que o trem faz parte do meu DNA. Sou filha, neta e sobrinha de ferroviários. Casei com um ferroviário, cujo o bisavô veio para o Brasil trabalhar na construção da ferrovia e assim começou uma dinastia que se prolongou pelos filhos, netos e bisnetos. Amo tanto os trens que mesmo estando fora de Minas há uma década mantenho o hábito de usar a palavra trem para designar toda e qualquer coisa.

    ResponderExcluir
  3. Oi silvia, ótimo seu blog. Há estação de Miguel Burnier! Amo. Vivi lá até 20 anos. Quantas recordações. Também adoro trem.Bjs.💜

    ResponderExcluir
  4. Oi silvia, ótimo seu blog. Há estação de Miguel Burnier! Amo. Vivi lá até 20 anos. Quantas recordações. Também adoro trem.Bjs.💜

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Me lembrei demais de você, Fatinha, enquanto escrevia esse post.
      Obrigada pela visita. Volte sempre. Vou adorar.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

QUEBRANDO A REGRA E BATENDO TAMBOR PRA MALUCO DANÇAR

O CARNAVAL, O BRASIL E EU

CARTA ABERTA AOS MEUS FILHOS, ALUNOS, SOBRINHOS E AOS JOVENS EM GERAL.