ERA UMA VEZ UMA GENTE (QUE FOI) FELIZ



Alerta: essa é uma história de ficção. Qualquer semelhança com a realidade, terá sido mera coincidência!


Era uma vez um hipotético país latino-americano, que em toda a sua existência havia sido comandado pelas mais tradicionais e perversas oligarquias do continente. Esse país passou por grandes transformações na primeira metade do século XXI, mas essas mudanças não foram muito bem vistas pelas tais oligarquias.


Fonte: http://www.culturaalternativa.com.br/media/k2/items/cache/236e0cbada492c3c0a22e59215775515_XL.jpg (acesso em 16 jul 2017)

Na verdade, os oligarcas-chefes daquele país latino-americano hipotético estavam se sentindo incomodados com os rumos políticos e econômicos dos últimos tempos. Com o colapso do socialismo e o fim da União Soviética, meio sem se dar conta, eles abriram a guarda e partidos de esquerda conseguiram eleger seus candidatos a cargos importantes, inclusive para a Presidência da República.

Em princípio ficaram surpresos, mas acharam que não ia dar certo, acreditando que a elite econômico-financeira do país latino-americano hipotético iria colocar tudo em seu devido lugar e que o próprio povo acabaria por se arrepender de tê-los elegido, pois eram pessoas inexperientes em administrar países latino-americanos hipotéticos. Mas para engano dessas velhas oligarquias, os tais “comunistas de uma figa” (como eram chamados pejorativamente) fizeram governos nos quais essas elites empresariais enriqueceram soberbamente e, sendo assim, elas se mantiveram alheias ao que ocorria no restante do país. Ainda por cima se mostravam felizes porque uma parcela maior do povão podia comprar seus produtos. Era quase um paraíso do consumo!

E não é que os tais "comunistas de uma figa" conseguiram, de algum modo, melhorar a vida da galera do porão da pirâmide social?

Pois é... De repente, aquele povo que passara fome por gerações, passou a ter acesso a três refeições por dia. De uma hora para outra, quem estava no porão da pirâmide social, conseguiu subir um degrauzinho e passou a ver a luz do sol. Outros, que estavam no assoalho atingiram o degrau superior e passaram a fazer coisas impensáveis para seus padrões anteriores, incluindo viajar de férias com a família e, pasmem, alguns conseguiram, pela primeira vez, fazer viagens até de avião!

De repente, não mais que de repente, as pessoas pobres desse país latino-americano hipotético passaram a ter esperanças. Parecia que o futuro havia chegado! O crescimento econômico estava ali, a olhos vistos! Os tais “comunistas de uma figa” foram mudando as coisas de um jeito nunca feito antes: perceberam que precisavam de trabalhadores qualificados para fazer crescer ainda mais aquele país latino-americano hipotético; daí criaram mais cursos técnicos e universidades públicas, além de amparar com recursos do governo os que só conseguiam acesso aos cursos universitários privados... Até financiar intercâmbios no exterior os “comunistas de uma figa” financiaram!

 De repente, não mais que de repente, naquele país latino-americano hipotético, filhos das classes mais baixas conseguiam fazer intercâmbio no exterior! Houve até momentos de pleno emprego no qual, mesmo a mão de obra menos qualificada, se dava ao luxo de escolher para quem trabalhar.

Os oligarcas viam tudo isso com extrema preocupação e resolveram se reunir para, segundo comentavam em suas festas exclusivas, "traçar planos e desmontar aquela palhaçada. Era muito abuso! Já estava demais! Não era possível deixar que continuassem. Aquele país não podia evoluir! Tá pensando o quê? Daqui a pouco o povo se convenceria de que era o dono do poder e se atreveria a fazer aquilo virar uma Noruega da vida! Ah... isso não... Essa gente tem que saber onde é o seu lugar! E não é entre nós, os oligarcas! Desse jeito vão nos destruir para sempre! Não podemos aceitar". Diziam os mais furiosos.

Assim, a nata da oligarquia nacional do país latino-americano hipotético, se juntou a alguns representantes da grande imprensa nacional e numa reunião para traçar metas a serem atingidas no mais breve espaço de tempo possível.

1. Não dariam um golpe de Estado clássico. Era consenso de que isso estava fora de moda e não seria bem visto pela comunidade internacional. Precisavam fazer de um modo que parecesse legítimo, moderno e benéfico para o país latino-americano hipotético!

2. Combinaram com os maiores setores da comunicação nacionais para, nas eleições que se aproximavam, ajudarem na campanha do seu candidato que deveria ser eleito no lugar do candidato dos “comunista de uma figa”. Para tanto, prometeram que fariam o país ficar muito melhor, apoiando e enriquecendo ainda mais o setor privado e mantendo programas sociais que, segundo eles, seriam aprimorados.

Ocorre que essa parte do plano não deu certo. O candidato dos oligarcas perdeu a eleição por pequena margem de votos. Pior é que, os “comunistas de uma figa” elegeram a primeira mulher para comandar o país. Era preciso fazer mais. A investida não havia sido suficiente! Era necessário colocar o povo contra os “comunistas de uma figa” de qualquer jeito. E assim o fizeram, com forte apoio dos principais setores de comunicação do país.

Na reunião para discutir os novos rumos para o país latino-americano hipotético e para a retomada do poder, a nata da oligarquia mais tradicional do continente traçou as novas metas. Alguns desses ícones do poder nacional levaram os filhos e netos à reunião, no intuito de ambientá-los para resolver futuros imbróglios como esses. As discussões ficaram acaloradas quando um desses representantes da nova geração da oligarquia levantou questões que lhe preocupavam. Disse ele:

- Não há como fazer o povo, que foi beneficiado pelas ações dos “comunistas de uma figa” esquecer a melhoria em sua qualidade de vida. Sei que sou jovem, mas não consigo ver como sairemos desse impasse.

- Não será fácil, mas garanto que é possível, disse-lhe o pai, um dos herdeiros de oligarcas quatrocentões ali presentes.

- Por outro lado, pensando melhor, completou o oligarca "júnior", a eleição de uma mulher pode nos favorecer. Esse é um país de machistas, incluindo parte da mulherada. Talvez fique mais fácil derrubar um governo feminino nesse país latino-americano hipotético. O que acham?

Um figurão das antigas prontamente lhe respondeu:

- Será muito mais trabalhoso e dessa vez teremos que ir com um pouco mais de calma. Eu tenho uma ideia que pode dar certo, mas vamos precisar de uns dois ou três anos para completa-la.

- Mas isso é tempo demais! Advertiu outro figurão das antigas. Ah que saudades dos tempos em que bastavam as baionetas, um exército obediente e bem treinado em torturas para, em questão de horas, tomarmos o poder que sempre nos pertenceu! Faremos os bons tempos voltarem! Isso prometemos!

- Como o senhor pensa em agir? Perguntou o jovem oligarca.

- Primeiro, temos que encontrar um tema com o qual todos se identifiquem, sejam os “comunistas de uma figa”,os políticos e pessoas honestas e as nem tão honestas da direita, do centro, os reis, rainhas e que até os nazistas e fascistas o vejam como algo ruim. Pensei na corrupção. Sim!!! Que tal a corrupção?

Todos aplaudiram. Não podiam ter escolhido tema melhor. Quem, em sã consciência seria contra o combate à corrupção? Mas o jovem oligarca advertiu:

- É, mas aí todos nós caímos, já que todos nós a praticamos.

- É aí que entram vocês, amigos da imprensa: começaremos uma campanha para convencer o povo que SÓ os “comunistas de uma figa” a praticam. Caso não consigamos convencer boa parcela do povo e caso peguem gente nossa envolvida em alguma falcatrua, mudamos a estratégia. Podemos dizer que todos a praticam, mas nunca, na história desse país latino-americano hipotético, outro governo foi mais corrupto do que os “comunistas de uma figa”! Para piorar vamos forçar uma grave crise econômica e colocar a culpa toda nesse governo. Se for o caso, podemos apelar para a religião. Esse é um país de pessoas que se dizem “cristãs”. Pastores e "pessoas de bem" (bem intencionadas ou não) podem nos ajudar na empreitada do convencimento dos analfabetos políticos e oportunistas. Basta prometer recursos e isenções para suas igrejas, cargos públicos para a família, até na corte suprema ... Não resistir

- Acham que vai funcionar? O povo desse país não vai acreditar! Esqueceram que aquela gente mais pobre teve acesso à educação, aprendeu a pensar por conta própria e pode contestar essa fala? Alguns se tornaram os primeiros a ter um diploma universitário na família! Isso pode fazer muita diferença! Disse o oligarca jovem. Além disso, como vão acreditar que os "comunistas de uma figa" são mais corruptos que nós que estivemos no poder desde tempos imemoriais? Eles chegaram agora ao poder! Pensem bem. Não vai colar. O povo não é tão idiota!

- Vai funcionar sim. Entretanto, tomemos como exemplo a sabedoria de seus ancestrais que sempre souberam manipular o povão. Essa gente que melhorou de vida e a classe média menos instruída politicamente podem facilmente passar a se ver como parte da oligarquia! Temos que trabalhar direitinho! Disse o pai do oligarca jovem.







- Impossível, meu pai! Eles sabem que não são como nós. Não frequentam os mesmos ambientes e jamais teriam os recursos e o poder que sempre tivemos.

- Engano seu. Recursos e poder não tiveram e, se depender de nós, jamais terão, mas dá pra mudar isso. Basta dizer nas entrelinhas das reportagens, dos debates políticos, das propagandas o quanto é “moderno” defender os nossos valores. Para as pessoas mais fúteis, dizemos que é chique defender nossa causa. Isso não falha nunca aqui nesse país latino-americano hipotético! Em pouco tempo teremos uma boa massa de manobra. Deu certo no século XX, por que não daria agora? Alguns que ganham um salariozinho maior têm absoluta certeza de que são como nós! Basta ter uma fazendinha, um pequeno comércio, uma empresa com 10, 50 200 empregados que acham que fazem parte da nossa turma! Deus nos livre, completou o pai, batendo na madeira!

- Sim, Deus nos livre... Não quero nem contato pessoal para não sofrer contaminação dessa raça de gente remediada que se acha elite! Respondeu, repetindo o gesto do pai. Mas, se o senhor, homem experiente nessa luta, garante. Então vamos lá. Mãos a obra!

- Certo. Mas você terá que se sacrificar, se preciso for e se misturar a eles nas passeatas, abraçá-los, tirar fotos, etc. enquanto não retomarmos o poder. Depois você toma um bom banho, viaja para a Europa para se despoluir do contato e voltamos ao estado original, combinado? Meu plano é gritarmos contra a corrupção, levar essa massa que se acha elite pra rua para dar visibilidade a insatisfação do povo.

- Mas o povo não está insatisfeito. Ele melhorou de vida! Esqueceu?

- Não seja ingênuo! Isso nossos amigos da imprensa vão resolver fácil e convencê-lo rapidamente. Vamos colocar sub textos nos jornais,  nas capas das revistas semanais, nas novelas, programas e noticiários da TV. Podemos espalhar outdoor pelas grandes cidades com frases indignadas contra a corrupção dos "comunistas de uma figa". Como eu disse, levaremos mais tempo, mas chegaremos lá e retomaremos o poder que sempre foi nosso!

Assim fizeram. Foi um bombardeio violento e cheio de insinuações, testemunhos, passeatas, manifestações... Para dar mais glamour aos eventos, levaram artistas da TV e cantores (aqueles artistas politicamente desinformados, que já haviam sido utilizados em outras ocasiões para o mesmo fim; outros que andavam desaparecidos dos holofotes, que estavam ávidos para aparecerem em troca de uma nesga de fama instantânea, capitaneada pelas lembranças dos mais velhos), juristas amigos, políticos de diversos partidos... Cada passeata era uma festa: criaram dancinhas coreografadas, faixas com frases de efeito, shows com artistas e grandes redes de TV transmitindo ao vivo a festa... Sem repressão policial, sem confusão... Tudo bem “civilizado” como manda toda manifestação organizada pelos detentores do poder, mesmo aqueles que atuam nos seus bastidores.

Foram dois anos até que o golpe foi consolidado naquele hipotético país latino-americano! A tal eleita dos "comunistas de uma figa" foi deposta por um processo de impeachment, dando aos analfabetos políticos a sensação de que havia legitimidade e civilidade no processo. Como não encontraram nenhum ato de corrupção contra a eleita "comunista de uma figa", acusaram-na de crime de responsabilidade fiscal por ter tirado dinheiro dos bancos oficiais e assim cumprir compromissos firmados com programas sociais. Empreenderam uma campanha amparada na misoginia como nunca visto no mundo moderno, em pleno século XXI. Foi um massacre que só os muito fortes como a eleita pelos "comunistas de uma figa" podia suportar. E ela tentou, de todas as formas, resistir. Mas não deu!

Os oligarcas elegeram um líder congressista que impediu, de todas as maneiras a governabilidade da representante dos "comunistas de uma figa", o que levou esse hipotético país latino-americano a uma crise econômica fortíssima, sempre com o apoio incondicional de grandes veículos de comunicação e de fatias da classe média (e até de alguns pobres) que passaram (como o previsto) a se enxergar como membros da oligarquia nacional. (Mas essa união não durou porque essa parcela da população que lutou pelos valores oligarcas foi descartada assim que a oligarquia recuperou o poder). Já restabelecidos no comando do país latino-americano hipotético, a oligarquia impôs suas condições para governabilidade, retirando direitos da população, inclusive dessa tal classe média que a apoiou no processo do "golpeachment".

Para assegurar que nunca mais os “comunistas de uma figa” iriam voltar ao poder, fizeram alterações drásticas na educação, assim não correriam mais o risco de ter gente exigindo direitos, nem políticos comprometidos com aquele país latino-americano hipotético. Estava tudo dominado de novo!

A partir da volta da oligarquia ao poder, as escolas e professores ficaram proibidos de instigar o pensamento crítico em crianças e jovens. A escola passou a ser um local onde, no máximo, se discutiam amenidades e, estritamente, os temas dos livros didáticos, sem abrir chance para questionamentos de alunos e da sociedade. Pais e alunos da classe média, que ajudaram as oligarquias a recuperarem o poder, demoraram um tempo para se darem conta do descarte a que foram submetidos e, por um bom período, seguiram em ferrenha perseguição a colégios e professores que insistiam em remar contra a correnteza da ignorância institucionalizada, convencidos de que ainda eram parte da patota oligarca.



Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_l6Kv1MP7tQh-3bkRURxP2rB8s-3G4rvozJwhiCNAtPwdobO91_WUFRTKisRQfcLzqLZjzr2Jhx64PwcN0Cf1R_eOGs2oCRrTPimgziip5l0Ohyphenhyphenzg3dEvo3O3e2SH74KjWaBkH-befD1e/s1600/89f6aa0f-682f-4af4-9e7f-bd64cfb4d5bd.jpg (acesso em 16 jul 2017)



O novo governo cuidou para que o desemprego fosse exponencialmente elevado, criando uma massa de trabalhadores dispostos a vender sua força de trabalho em troca de comida e abrigo. Para assegurar que as verdadeiras elites nacionais não fossem “massacradas” por trabalhadores cansados da exploração exigindo respeito, alteraram a lei trabalhista impedindo que recorressem à justiça para reparar algum possível abuso patronal. As oligarquias tradicionais do país latino-americano hipotético eliminaram a aposentadoria, cortaram radicalmente investimentos públicos em saúde, educação e segurança, na esperança de que a erradicação dos pobres pela morte, leve o país a uma “faxina social” num futuro próximo.

E o povo como ficou?

Ah, o povo daquele hipotético país latino-americano? Ficou atônito. Perdido. Sem conseguir acreditar no que via e ouvia!

Os que foram contra o golpe, estavam perplexos! Os que foram usados pelos oligarcas, se reconheceram como massa de manobra e que foram aviltantemente enganados. Sabem intimamente que foram manipulados e descartados em seguida, mas a maioria não deu o braço a torcer por muito tempo. Mesmo sabendo que a galera pró e contra o golpe está no mesmo Titanic em que se transformou aquele país latino-americano hipotético, atingido pelo iceberg e com botes apenas para a nata oligarca e seus aliados multimilionários, tentaram se salvar na medida do possível, e já estavam quase sem conseguir respirar. Entretanto, aqueles politicamente desinformados ainda gritavam que o importante era mesmo tirar aqueles “comunistas de uma figa” do poder.

Esse poderia ser o fim dessa história e daquele país latino-americano hipotético, mas ela continua, porque nada nesse mundo é definitivo. A população do país latino-americano hipotético, que ama sua gente e seu território, não desistiu e continuou lutando sem perder a esperança de construir a nação solidária que sonham e merecem!

Mas eles foram infelizes por um bom tempo até que a paz, a solidariedade e a justiça social fossem definitivamente restabelecidas e consolidadas naquele hipotético país latino americano!

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