QUERIDO ZÉ
Belo Horizonte, 07 de setembro de 2020.
Você está certo. Não estamos bem.
Entretanto, aí dos rincões asiáticos, de onde você nos
observa, provavelmente não conseguirá ver – com nitidez – quão devastadora é a
atual situação de nossa gente e de nosso país. ELE NÃO estava brincando
quando disse que precisavam destruir muita coisa. A destruição de tudo (incluindo
o povo) é tão avassaladora a ponto de transformar nosso orgulho de ser
brasileiros em vergonha.
Como cantou Chico Buarque “a nossa gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão”. E você
sabe que, muito mais que amor e profundo respeito, eu sempre levei comigo um deslumbramento
com esse país e, principalmente, com a nossa gente. Mas lhe asseguro que isso
também mudou. Aliás, muitos sentimentos andam misturados em mim. Sentimentos que
vão da raiva ao desejo de que esse tempo passe rápido e que saiamos vivos do pesadelo
em que fomos mergulhados.
Amigo, o Brasil está doente. Quase em fase terminal.
Desde que as elites armaram a arapuca do golpe 2016,
emergiu uma podridão das entranhas desse país que não enxergávamos ou não
queríamos ver.
Claro que não falo por todos os brasileiros, mas
asseguro-lhe que falo em nome dos nossos amigos em comum ou da maioria deles. Nós
dois podemos dizer que temos o privilégio da convivência com pessoas
esclarecidas, cujos valores esquerdistas estão ligados à solidariedade, à gentileza,
ao diálogo e ao aprendizado mútuo. E eu lhe confesso: são esses os alicerces
que têm mantido a nossa saúde mental razoavelmente equilibrada. Temos nos
apoiado mutuamente para aguentar o tranco, porque não está fácil, amigo.
Você se disse horrorizado com o avanço da ignorância,
da truculência, da subserviência em relação aos estadunidenses, do
obscurantismo crescente, dos preconceitos e do radicalismo religioso.
Pois eu lhe digo: você não viu nada.
Às vezes, a sensação que tenho é de que o país virou
um sanatório como aqueles de Barbacena, no século passado. Um hospício repleto
de seres que ouvem vozes, que urram, apontam os dedos para o nada e babam nas
roupas. Um bando de alucinados que repetem os bordões e os discursos
reproduzidos por alto-falantes, potencializando os efeitos de uma lavagem
cerebral extremamente bem feita a que foram submetidos.
Eles não conseguem ouvir nada além do que repetem aqueles alto-falantes.
Eles só fazem o que lhes mandam fazer, mesmo que isso
signifique colocarem-se em risco da própria vida e a de seus entes mais
queridos.
Aí você me pergunta se são suicidas.
E eu lhe respondo: sim. São suicidas em potencial, mas
são também assassinos. Não hesitarão em matar qualquer um que discorde daquele
a quem chamam de “mito”. Já não é mais política. É seita.
A incoerência, aliada à ignorância e à truculência são
as bases do processo de lavagem cerebral a que assistimos.
Conseguiram desvirtuar o cristianismo a ponto de se
convencerem de que Jesus disseminou o ódio e não o amor; pregou a vingança ao
invés do perdão. E, nesse contexto, o errado virou o certo. Na nova concepção “cristã”
por aqui difundida a exclusão de minorias e dos sofredores é a meta.
Sim, amigo. É triste, mas é verdade. De acordo com a
parcela mais perversa de nossa elite, é preciso que deixemos os famintos e sem
teto morrerem de fome e de frio, pois fizeram a OPÇÃO de viver desse modo e, se
é escolha DELES, então deixemos que padeçam. Poderemos voltar para as nossas
camas quentes e ao nosso corriqueiro desperdício de comida sem a culpa
pela morte desses preguiçosos! Eles que arquem com a opção que fizeram pela fome e pelo abandono!
Hoje, Zé querido, é 07 de setembro de 2020. Dia em que
se comemora a Independência do Brasil. Nesse dia simbólico tivemos uma manifestação desses que
foram submetidos à lavagem cerebral, todos uniformizados com as cores da
bandeira, cantando o hino nacional e o hino da independência. Vários deles
empunhavam a bandeira dos Estados Unidos da América e faixas com propaganda pela
reeleição do Presidente Trump, ignorando peremptoriamente o fato de Trump odiar
os latinos (sejam eles louros, negros, pobres ou ricos). Talvez não se saibam ou se vejam como latinos que somos todos nós brasileiros, não é? E eles homenagearam os EUA no 07 de setembro! Eu não estou mentindo.
Eu juro. Eu vi.
Eu vi e eu chorei de vergonha. Chorei de tristeza. Chorei
de raiva. Chorei, chorei, chorei até desabafar.
Chorei porque hoje eu vi, pela fresta da janela, o meu
país ali deitado no chão com um joelho lhe apertando o pescoço, do mesmo modo
como fizeram com o estadunidense negro e com a mulher brasileira negra e pobre.
Assim como a nossa brasileira, comerciante negra da periferia, eu vi o Brasil implorar
por socorro e o carrasco da vez tirar um dos pés do chão para jogar todo o peso
do seu corpo no pescoço dessa nação faminta, empobrecida, sem teto e quase asfixiada
pelas fumaças que vêm da Amazônia e do Pantanal. Eles transformaram o Brasil numa nação despedaçada, sem brilho, sem alegria.
Sim. É desolador. No entanto, eu e os nossos amigos
combinamos que eles não vão nos contaminar com seu ódio, sua arrogância e
incoerência. Sabemos que tudo passa e eles também passarão. E quando tudo
passar, queremos você aqui de volta para unirmos nossas forças e reconstruir
das cinzas o que restar desse lindo e triste Brasil.
[...] Vamos
precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças
É só repartir melhor o pão
Recriar o paraíso agora
Para merecer quem vem depois
Um abraço cheio de amor e saudades.
Aguardo ansiosa seu retorno. Não se esqueça: minha esperança conta com você.
Silvinha, você como sempre lúcida e hábil nas palavras! Sucesso nos seus escritos...paz e serenidade, sempre!
ResponderExcluirQue orgulho de você, Silvia! Foi com grande alegria que hoje recebi a notícia da existência de um blog seu. Li três textos e AMEI. Já me tornei leitora sua, tenha certeza! Saúde e Paz!
ResponderExcluirExcelente texto, Sílvia! Forte! Impactante! Verdadeiro!
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