QUANTO RISO! OH QUANTA ALEGRIA!
E mais um carnaval acabou! E esse também foi tão
bom!
Como tudo na vida, há os que amam e os que odeiam o
carnaval. E, em ambos os casos, têm o direito de viver esse período como bem
entenderem.
Logicamente, nesses tempos de redes sociais em que
as pessoas se encorajam para dizer o que bem entendem supostamente
"protegidas" pela tela do computador, me deparei com alguns grupos de
pessoas vociferando contra o carnaval e ofendendo seus defensores, como vem se
tornando comum no mundo virtual.
Congresso Nacional vazio uma semana antes do carnaval
Fonte: http://www.iguaimix.com/v3/wp-content/uploads/2016/01/salvador-bahia-carnaval-2016.jpg (acesso 14 fev. 2016)
Uma dessas pessoas, ao comentar um post do Boechat,
direto de Salvador, na Bahia, destacando uma foto da multidão que seguia mais
um trio elétrico, disse que era um absurdo tanta gente nas ruas cantando e
dançando enquanto o governo nos rouba e o país se arrasta na crise econômica.
Segundo esse ser, "enquanto esses brasileiros idiotas se divertem e
mostram ao mundo o tamanho de sua burrice, o congresso faz leis para nos
sacanear". Não resisti. Tive que entrar na conversa e lhe fiz uma
pergunta:
- Rapaz, você se refere ao Congresso do Brasil? Se
for, acho que está cometendo um engano. Pense comigo: eles não trabalham no tempo
regulamentar, acha mesmo que estão lá, legislando no carnaval? Antigamente o
governo até usava o carnaval para nos sacanear. Hoje já não é mais assim. Não
precisam desses artifícios. Está aí o Eduardo Cunha que não me deixa mentir.
Isso para ficar no exemplo mais gritante. Acho que merecemos alguma alegria.
Fonte: http://www.iguaimix.com/v3/wp-content/uploads/2016/01/salvador-bahia-carnaval-2016.jpg (acesso 14 fev 2016)
Não tive resposta do reclamante, apenas algumas dezenas de
curtidas ao meu comentário.
O ressurgimento dos carnavais de rua em cidades, onde
essa manifestação cultural foi negligenciada pelos prefeitos em anos anteriores,
provocou grande movimentação do comércio e do turismo locais. Se há uma crise
em curso, ela deve ter se fantasiado e entrado na folia. Havia algo diferente
no ar. Foram mínimos os casos de violência, mesmo quando blocos arrastavam
multidões de mais de duzentos mil foliões e com policiamento restrito (como foi
em BH, por exemplo). Não houve tumulto. Foi mais calmo que na vigiadíssima Copa
do Mundo.
Eu sou do
tipo que ama o carnaval, essa festa brasileira que diz muito do que somos e de
como somos: mais "desencanados" com a vida do que a maioria dos povos
do mundo. Eu acho isso muito bom.
Fonte: http://sempremodernas.com.br/wp-content/uploads/2015/01/fantasia-carnaval-2015-caixa-de-patito-gina.jpg (acesso 15 fev 2016)
Mais que gostar do carnaval; sinto muito orgulho de
ver essa festa, que é primorosamente realizada todos os anos por nós,
brasileiros. O carnaval me emociona de verdade. Esse ano eu não consegui ver o
desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense sem chorar.
Aliás, não há como fazer alguém compreender a
dimensão daquela ópera popular inventada pelas comunidades dos morros cariocas,
chamadas de Escolas de Samba. Ao meu ver, não há como entender a grandiosidade
delas e da criatividade dessas comunidades, sem tomar emprestados os versos de
Paulinho da Viola sobre a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira: "pra
se entender / Tem que se achar / Que a vida não é só isso que se vê / É um
pouco mais [...] É (tudo) tão grande (e tão majestoso) que nem cabe
explicação".
Desfile da GRES Imperatriz Leopoldinense 2016
Fonte: http://www.almanaquedacultura.com.br/wp-content/uploads/2016/02/carnaval-2016-imperatriz-daniel01.jpg (acesso 15 fev 2016)
O carnaval do Brasil é a maior festa popular do
planeta. Ele nos abre espaço para que o mundo tenha uma pequena amostra da
nossa riqueza cultural.
Ah... E como somos ricos nesse quesito!
Tenho em mim uma certeza: a preservação de nossas
raízes culturais é o que pode nos resgatar como nação e transformar a economia
desse país.
Exagero? Será?
Pensemos: ninguém, nenhum país no mundo inteiro tem
a variedade de ritmos que nós temos. Se tomarmos apenas as variações do samba
(de roda, enredo, pagode, gafieira, de raiz, bossa nova, entre tantos outros)
encontrar-se-á uma variedade imensa de cadências.
E é isso que o carnaval mostra ao mundo: a
diversidade brasileira que atrai gente de quase todo o planeta. É da preservação
dessa diversidade que devemos cuidar com carinho, mostrando-a às novas
gerações.
No Brasil temos o hábito de copiar o que vem de
fora. Não há nada de errado em miscigenar culturas. A diversidade das nossas
manifestações culturais se deve também a esse acolhimento do que veio de fora e
que foi adaptado pelos nossos antepassados. Além do mais, somos um país
colonizado que ainda mantém forte em nós o "complexo de vira-latas",
descrito por Nelson Rodrigues. Uma espécie de Narciso ao contrário que acha feia
a sua imagem refletida no espelho e, por isso, busca copiar imagens outras que
julgamos serem mais apresentáveis que a nossa, especialmente a imagem que vem dos
países desenvolvidos.
Acontece que a simples cópia daquilo que julgamos
ser melhor, especialmente quando se trata dos aspectos culturais de outro país,
soa como caricato. Basta analisar a nossa reação quando vemos um turista
japonês ou alemão, por exemplo, tentando sambar como os passistas das escolas
de samba do Rio de Janeiro. À princípio nos sentimos orgulhosos por ver que
querem nos copiar.
Entretanto, por
mais que eles se esforcem nunca saberão imprimir em seus passos a ginga e a
malemolência dos brasileiros. Ninguém no mundo vai sambar como os passistas
brasileiros porque, até chegar ao que temos hoje, passamos por séculos de evolução
cultural, na qual fomos adaptando aspectos de todas as culturas dos povos que
deram origem ao povo brasileiro.
Turistas estrangeiros tentando aprender a sambar
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=1MSsOlverFU (acesso 14 fev 2016)
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=1MSsOlverFU (acesso 14 fev 2016)
É possível que, o norte-americano ou o europeu,
ao visitarem o Brasil, vejam a nossa tentativa de imitá-los, de falar e dar
nomes em estrangeiros às nossas lojas, aos nossos filhos, aos nossos produtos,
provoque a mesma reação que temos em relação aos “sambistas” japoneses e
alemães.
Você já parou para pensar nisso?
Por que eu acredito que a cultura pode resgatar a
nossa economia? Bom, nem é preciso falar do movimento econômico gerado pelo
carnaval de 2016, em plena crise brasileira e mundial, nas cidades onde ele aconteceu, não é?
Reflita comigo: se no futuro você quiser conhecer
uma linda praia terá muitas opções pelo mundo afora. O Brasil é uma dessas
opções. Mas se você quer conhecer praias lindíssimas, comer azeitonas frescas,
graúdas e saborosas, um excelente azeite de oliva, conhecer o berço da
democracia e ver o hassápiko, a mais popular das danças gregas, que consiste na
combinação de passos entre os dançarinos e o ritual do famoso quebra-pratos, só
poderá ir à Grécia. Não vai adiantar um brasileiro, que tenha suas origens na
cultura negra e indígena criar um restaurante com comidas típicas, danças e
músicas gregas no Brasil para atrair turistas estrangeiros porque eles sabem que isso não nos
diz respeito. Soará como falso. Da mesma forma que não gastaríamos nossos
dólares ou reais na China, por exemplo, para assistirmos a um show de dança do
ventre ou de dança flamenca feito por
chineses.
Quando visitamos um país, uma cidade ou região
queremos conhecê-lo, saber quais são as suas especificidades e sempre buscamos
experimentar a sua comida típica, registrar, através de fotos, relatos
filmagens, objetos que lhe dão identidade. É por isso que não podemos abrir mão
de nossa cultura.
Além da riqueza que pode gerar, sabe-se
que as atividades ligadas à cultura criam muitos empregos. Pense bem. Pode-se
fazer um robô que reproduza milhares de fotos por minutos, mas ele jamais terá
a sensibilidade de um bom fotógrafo como a do brasileiro Sebastião Salgado! Pode-se
criar uma máquina que ande, fale, dance. No entanto nenhuma máquina terá a leveza
das bailarinas. Se não queremos conservar nossa cultura por termos vergonha de
sermos quem somos, ou por julgá-la inferior – o que não é verdade – pelo menos
pensemos nos empregos que ela pode gerar. A produção cultural é capaz de
movimentar a economia de qualquer país. Veja com mais cuidado as fichas
técnicas das novelas produzidas no Brasil. Elas não empregam apenas atrizes e
atores. São figurinistas, cabeleireiros, técnicos de som, câmeras, marceneiros,
pedreiros, engenheiros, músicos, etc.. Isto vale também para os filmes que são
produzidos para o cinema ou para a televisão; vale para o teatro, para o
carnaval, as festas juninas do Nordeste, a festa do Boi-bumbá de Parintins, as micaretas dos baianos...
Festival do Boi Bumbá de Parintins
Fonte: http://www.4hoteis.com.br/images/parintins.JPG (acesso em 15 fev. 2016)
O termo micareta vem da expressão francesa “mi-carême”, que significa “meio da Quaresma”. Um carnaval fora de época que acontecia na França do século XV, bem no meio da Quaresma, tempo estipulado pelo calendário católico-cristão para as pessoas se absterem dos prazeres terrenos.
No Brasil, a primeira micareta da História foi criada em 1937 em Feira de Santana (BA) por um grupo de feirenses inconformados pela não realização do Carnaval, impossibilitado por fortes chuvas. Com o passar do tempo, a festa se tornou uma das maiores manifestações populares do interior da Bahia e do Brasil.
O que mais me encanta nos baianos do axé é essa
capacidade de inovar e de propagar a sua cultura. Existe no Brasil uma
tentativa de menosprezar o jeito de ser dos baianos. Quem nunca ouviu frases
como: "baiano é preguiçoso"; "baiano não nasce, estreia";
"baiano só sabe fazer festa"; "baiano só quer carnaval"...
Pois é, eles podiam se sentir diminuídos e alimentar
um complexo de inferioridade. Mas o que fizeram? Abraçaram esses
"clichês" e os transformaram em um grande negócio baseados na
micareta de Feira de Santana e hoje, fazem carnaval e levam seus trios
elétricos para todo o país o ano inteiro. E ganham muito dinheiro. E ajudam a movimentar
as economias dos locais onde se apresentam. Pergunte aos prefeitos das cidades
onde esses eventos ocorrem e verá que isso é recorrente.
Micaretas pelo Brasil
E não é só o carnaval. Não é nenhuma novidade dizer
que as novelas são um excelente veículo para divulgar produtos. Quantas vezes
não encontramos nas ruas as pessoas usando determinado tipo de roupa que é
usado pelo mocinho da novela ou do filme? Portanto, valorizar a cultura local
não é só uma questão de ufanismo patriótico. É, mais que nunca, uma questão
econômica. Nesse quesito não se pode negar que o Brasil é um país com um grande
potencial, já que, em poucos lugares do mundo vamos encontrar tamanha diversidade
cultural. Nisso, somos concorrentes fortes no mercado internacional.
Portanto, antes de virar a cara para as festas
populares, raciocine. Se não for capaz de reconhecer sua beleza e sua riqueza
cultural ou se guarda em si certa "vergonha" de ver o Brasil ser o
que é e viver suas tradições mais genuínas, tente quebrar sua resistência. Se não
for pela beleza de nossas festas, ritmos, sabores, sotaques e cores, que seja
pela riqueza econômica que elas podem gerar. Porque cultura é de cada país, de
cada região. Não há como piratear seus produtos sem parecer caricato. Sem deixar
claro que é produto falso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
http://www.micaretafeira.com.br/conteudo.php?codtipo=3 (acesso em 10 fev. 2016)
VELLOSO, Monica. Que
cara tem o Brasil? As maneiras de pensar e sentir o nosso país. Ediouro. Rio de
Janeiro. 2.000.
VIANNA, Hermano. O mistério
do samba. Rio de Janeiro. Editora Jorge Zahar. UFRJ, 1995.
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