YES, NÓS TEMOS HALLOWEEN

Texto de ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

  Agora sim. Agora vamos. Um importante passo no rumo da inserção do Brasil no Primeiro Mundo foi dado nos últimos anos com o início da celebração, por aqui, da festa conhecida como halloween. Sim, já há halloween no Brasil. Em pleno Brasil lindo e trigueiro, para não dizer inzoneiro, este Brasil brasileiro, terra de vatapá, caruru e munguzá, havia na semana passada lojas vendendo roupas e chapéus de bruxa. Escolas promoviam festas alusivas à data. Casas noturnas anunciavam bailes comemorativos.

http://blog.comshalom.org/carmadelio/wp-content/uploads/sites/2/2015/10/halloweenimage.jpg (acesso 10 fev. 2016)
   
Crianças invadindo as casas e pedindo doces, senão fazem malvadezas: "Me dê um trato ou faço uma traquinagem!" Abóboras ocas, chapéus cônicos, vassouras voadoras. Dá para acreditar que isso esteja ocorrendo no Brasil, até ontem tão atrasado? Para os leitores que não sabem o que é halloween, pois nem tudo é perfeito, ainda, no Brasil, trata-se daquele evento, na véspera do Dia de Todos os Santos, com o qual os americanos celebram o Dia das Bruxas. Pois agora já estamos quase iguais aos americanos. Temos halloween. Yes, nós temos halloween.
   O fenômeno por enquanto circunscreve-se às áreas chiques de São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades. O povão ainda não chegou lá. Na verdade, o povão sempre chega atrasado. Em seu meio, ainda nem existe o hábito de colar adesivos com gracejos em inglês no automóvel. A rigor, a grande maioria nem tem automóvel. Portanto, mesmo se fosse a Miami e comprasse um adesivo, não teria onde colar.
https://i.ytimg.com/vi/ESbrkFTGObU/maxresdefault.jpg (acesso 10 fev. 2016) 

A festa que remete a um dos mais genuínos tipos brasileiros, o caipira, deixou de ser "Festa de RODEIO" para ser "Rodeo Festival" ou Festa Country.
   O halloween veio culminar uma série de avanços ultimamente experimentados pela boa sociedade brasileira. Já há lugares onde se pode pedir sorvete de vanilla, muito superior ao de baunilha. As redes de sorveteria La Basque e Babuska oferecem vanilla. Mesmo que a palavra seja de origem espanhola, foi incorporada pela língua inglesa, e os americanos a utilizam. Vale dizer que, no La Basque e na Babuska, toma-se sorvete em inglês, o que impressiona muito mais ao paladar. Também há lojas que anunciam sales e oferecem produtos com preços 10% off, ou 20% off, o que é muito mais vantajoso do que uma simples liquidação que ofereça descontos equivalentes. E já se pode ligar para uma pizzaria que faça delivery, em vez de entrega, sem falar na inominável venda para viagem. Com a delivery, garantem-se rapidez e segurança no percurso. 
    Em certas esquinas de shopping center, olha-se em volta e só se vê inglês. Mergulha-se então na magia dos Ws e Ys, na simpatia do S. Esse Brasil, sim, dá gosto. Ele fazia por merecer o halloween, que mesmo que fosse só uma palavra, sem significado, já nos conduziria a um mundo de encantamento, com sua formidável carga de Ls e Es duplos, enriquecido ainda por um W e um H como deve ser, não mudo e inútil, mas trabalhado desde o fundo da garganta, sem medo de ser ouvido. O Brasil que dá gosto é aquele que não parece Brasil. Não. O Brasil que dá gosto é aquele que não só não parece o Brasil, mas parece os Estados Unidos. É a este que, como numa vassoura de bruxa, nos transporta o halloween.
http://kcms.com.br/blog/wp-content/uploads/2015/12/loja-sale.jpg (acesso 10 fev. 2016)
    Talvez o leitor tenha desconfiado de que se tentou fazer ironia, neste texto. Mas talvez não, dadas as deficiências do escriba. Então vai-se direto ao ponto: festejar o halloween, no Brasil, é coisa de basbaques. Assim como saborear "vanilla" , vender "off" e despachar "delivery". É coisa de imitadores. Ainda se fosse para imitar o que a civilização americana tem de fundamental, como o respeito à lei e à ética do trabalho, vá lá. Mas não - é para imitar pela rama, ciscando no que há de estéril e superficial. Ora, imitar, macaquear, querer igualar-se àquele que se considera superior pelas vãs artimanhas do arremedo não é apenas confessar-se inferior, nem falsificar-se a si mesmo como outros falsificam uísque. Antes, é uma das mais antigas e consistentes formas de ser tolo.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fol/ideias/ideias63.htm (acesso em 10 fev. 2016)

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