SÓ BAIXANDO O NÍVEL PRA VER SE ME ENTENDEM

  
O presidente interino, Michel Temer, assumiu e apresentou seu ministério composto só por homens brancos e sem nenhuma mulher. Aliás, nele está representado um Brasil que só existe no topo da nossa pirâmide social. Muitos outros grupos também não foram representados. Isso é muito, muito grave. Governos devem ter representatividade, mesmo os golpistas deveriam se esforçar para que, pelo menos em alguns aspectos, a população se reconhecesse neles, fazendo com que os analfabetos políticos lhes conferissem alguma legitimidade.

Fonte: http://edelsonfreitas.com/portal/wp-content/uploads/2016/05/304.jpg
Em se tratando das mulheres é preciso ressaltar que nós somos maioria absoluta na população e temos feito muito por esse país. Aliás, temos feito muito pelo mundo.
Quer exemplos?
Vejamos. 
Se há decréscimos significativos das taxas de fecundidade e de natalidade nesse mundo, quase saturado de tanta gente, deve-se, quase exclusivamente a nós, mulheres. Não há como negar que o planejamento familiar e o controle de natalidade recaem, em mais de 95% em nossos ombros.
Fomos para o mercado de trabalho e vamos, a passos lentos, abrindo nossos espaços. Ora com avanços, ora com retrocessos, como o que vemos nesse novo governo. Cada vez mais o nosso trabalho se torna imprescindível para o orçamento, isso quando não somos as únicas responsáveis pelo sustento familiar. Tudo isso é sabido e, em parte, reconhecido pela maioria da sociedade. Hoje somos cientistas, médicas, astronautas, mestres de obra...
No caso do governo interino, todas as mídias ressaltaram e, as mais isentas, criticaram a composição ministerial. Aí a gente vai ler o que foi publicado sobre o assunto na internet e lê nos comentários das matérias, coisas do tipo:
"Lá vem a corja feminina do petê cheia de mi mi mi por causa de detalhes do ministério do governo Temer". (Detalhes... tá "serto")
"Qual a importância de ter ou não mulher? Tem que ter gente competente para tirar o país do buraco em que o petê o colocou, independente de ser homem ou mulher. Isso é só pra "fuder" com o novo governo". (E não temos mulheres aptas?)
E o pior que li, VINDO DE UMA MULHER (pelo menos a foto e o nome eram de mulher) que dizia:
"Não acho que ter mulheres no governo faria diferença. Sendo competente, tanto faz essa coisa de representatividade. Isso é coisa de petista inconformado com a derrota de sua presidAnta!". (Misoginia explícita, né?)
Li coisas parecidas em sites do Extra, da Folha, do Estadão e no twitter. Eu senti uma raiva descomunal me consumindo as entranhas!
Por isso, amigos, amigas, ex. alunas e alunos queridos que, por acaso possam ler esse desabafo, me desculpem, mas não dá pra ter qualquer resquício de polidez com um barulho desses. Tentarei, mas sei que não vou conseguir me conter.
Para aqueles e aquelas que ainda não entenderam a nossa luta por igualdade de direitos, eu gostaria de esclarecer algumas coisas, que talvez ainda não saibam:
1. Nós, mulheres, ainda estamos lutando pelo direito de não ser encoxada no transporte público. Se você nunca sofreu esse tipo de assédio, pode até fazer uma ideia vaga e se solidarizar com a causa, mas jamais saberá o tamanho da repugnância e da humilhação que isso nos provoca. Nós ainda estamos na batalha para fazer esses machões covardes entenderem que, apesar de todos pertencermos ao reino animal, é possível – para os humanos – controlar os nossos instintos.
2. Nós ainda estamos batalhando (e muito) para não mais sermos responsabilizadas quando sofremos a violência do estupro.
3. Nós, mulheres, ainda estamos na luta por igualdade salarial, mesmo quando toda a sociedade sabe que temos múltiplas jornadas de trabalho e piores salários. E vocês, mulheres das classes mais altas, que sempre puderam contar com empregados para cuidar de suas tarefas domésticas, não são maioria entre nós e, ainda que fossem, não têm o direito de menosprezar nossas batalhas, na medida em que as mulheres que lhes servem, também "desfrutam" dessa jornada múltipla.


4. A nossa luta contra a violência doméstica não terminou com a aprovação da lei Maria da Penha. Ela é cotidiana. Tem que ser travada segundo a segundo.
5. Hoje nós estamos em maioria nas escolas de todos os níveis de educação, incluindo nos cursos de mestrado e doutorado e, mesmo sendo mais qualificadas, ganhamos menos que os homens e temos menos oportunidades de assumir cargos de chefia.
Fonte: http://www.esmaelmorais.com.br/wp-content/uploads/2012/03/mulheres.jpg (acesso 14 mai. 2016)

Eu poderia listar muito mais coisas aqui, mas só vou pedir a vocês que ainda não entenderam o tamanho dos nossos desafios, que se abstenham de se manifestar com ofensas ou com argumentação machista. Já superamos aquela fase do "abaixo os homens". Nós queremos caminhar lado a lado com homens, gays, lésbicas, transexuais..., para construir um mundo onde a liberdade seja direito de todos e não um privilégio de alguns.
Por tudo isso é que precisamos ser representadas por quem sabe o que é ser mulher num país de machistas, no qual um político diz para uma mulher, na frente das câmeras, sem o menor constrangimento "que não a estupra, porque ela não merece" e ainda encontra defensores para seu impropério. Você acha que é brincadeira? Tem sim homens (e mulheres, infelizmente) que acreditam que há quem mereça ser estuprado! Precisamos de mulheres que nos deem voz e abram os caminhos que ainda estão fechados para nós. E isso, obviamente, inclui o governo.
Se você é mulher e me diz que não tem ambições profissionais e eu lhe digo que não há demérito nisso. Seu desejo também é legítimo e você tem direito e deve ser livre para ser o que quiser. Mas não se iluda, nada vem de graça para nós. Paga-se um preço também para ser bela, recatada e do lar, até porque, pesquisas indicam que, tal qual o unicórnio, o papai Noel e o coelhinho da páscoa, aquele príncipe encantado de que nos falaram quando éramos crianças, não existe na vida real.

E pra vocês, especialmente as mulheres, que acham "natural" a representatividade seletiva ministerial do Presidente Interino, dizendo que isso é mi mi mi de petralha feminista, só para "fuder" com o governo Temer, eu serei curta e grossa, na mesma medida: ok, essas são batalhas que você não quer lutar, mas que, apesar disso, vem colhendo os frutos que ela produz – mesmo que não os reconheça. Então, "miga", cale a boca e vê se não fode com a nossa luta, valeu?

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