SEM HIPOCRISIA, VAMOS FALAR DE FIDEL E DE CUBA?


A morte de Fidel, aos 90 anos, depois de governar Cuba por mais de meio século, trouxe às redes sociais manifestações de toda ordem, mas em sua maior parte, extremamente maniqueístas. Para os mais radicais adeptos da esquerda, um herói digno de todas as reverências e, praticamente, sem máculas. Para os mais radicais adeptos da direita, um bandido, sanguinário que, como li num post no twitter: “já foi tarde”!




Fonte: http://www.edsonsombra.com.br/admin/post/imagens/1480171310.jpg (acesso 28 nov. 2016)

Nenhuma surpresa para quem vive nesses tempos de exacerbação de todo tipo de radicalismo e como tal, uma tremenda manifestação da insensatez humana.

Em minha modesta opinião, não há a menor dúvida de que o regime cubano foi ditatorial com Fidel e continuará sendo assim por muito tempo. Avaliando o contexto atual, se a abertura do país se concretizar nesse momento da história mundial, a democracia não terá a menor chance em Cuba.
Vivemos num tempo em que democracia vem sendo dilapidada pelo poder econômico em todos os cantos do mundo: no Brasil surgem aberrações como as manifestações pela volta da ditadura militar; na Europa vê-se a ascensão de governos de extrema direita, excludentes, eleitos livremente pelo povo. Isso sem falar dos regimes monárquicos e presidencialistas ditatoriais em vigor no Oriente Médio e em boa parte dos demais países asiáticos e da  África.



Portanto, mesmo contrariando a impressão de alguns, Cuba, China e Coreia do Norte não são os “últimos” baluartes ditatoriais do mundo, quer aceitem ou não. 


Cuba, tal como a vemos hoje, é um produto da Guerra Fria, a disputa travada pelos Estados Unidos e pela União Soviética que se estabeleceu a partir do fim da II Grande Guerra.
Fato é que a Guerra Fria impôs tamanho horror à humanidade, em escala planetária que os jovens de hoje, especialmente os de classe média e alta, que não convivem com a truculência policial imposta aos jovens negros e pobres das nossas periferias e favelas, não poderiam ter a mais pálida ideia. E foi nesse ambiente de ameaças e de disputas, em nível mundial, que os cubanos saíram, de uma ditadura capitalista, comandada pelas oligarquias corruptas e insensíveis, liderada por Fulgêncio Batista, para viver sob a opressão de uma ditadura socialista, comandada por Fidel Castro bem debaixo do nariz da maior potência capitalista! 

E não se engane! Se isso não é pouca coisa, ainda hoje, quando a Guerra Fria não mais existe, imagine naqueles tempos! 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/proxy/AVvXsEgSv0fLxStUZnHYyM3etNcfY1u4SzPvsewn57G1RrnwObJefXdzT1yoNrGYO1z1rcZKmFHDUMozPuRMRtbB-FWa9adftWCdKfKDieMZG06YRBhbxWKAly0-nwB0Y2eSrGBSHS1OyI0wM9yi9FIcExgKTD04nG7GxAwmw33KPRhqJbyWAtJl=s0-d (Acesso em 28 nov. 2016)

A diferença é que, quando governados por Batista,  os cubanos viviam sob o jugo da violência,  da falta de liberdade e da extrema desigualdade socioeconômica (fome, analfabetismo, etc.). Já sob o regime castrista a violência política e o controle ideológico severos, pelo menos, os poupou da fome e deu-lhes alguma dignidade em sua condição social. 

Sim. Já sei que você que me lê e que compartilha da ideia de que Fidel foi unicamente um ditador sanguinário e nada mais, pode argumentar: 


_ Então o fato de dar comida, educação, saúde e qualidade de vida ao povo justificam o cerceamento político-ideológico e a perseguição aos opositores?

E eu lhe respondo:

_ É claro que não! Nada pode justificar o cerceamento à liberdade de pensamento e de opinião, quando esses não estão relacionados a crimes (como racismo, homofobia, etc.).

A questão que os mais jovens poderão ter dificuldades para compreender é o significado de Cuba para a América Latina, no contexto da Guerra Fria. A insana disputa entre Estados Unidos e União Soviética e o forte aparato nuclear construído pelas duas potências, a fim de conquistar corações e mentes a qualquer custo, ameaçava o mundo inteiro. 

Fonte: http://www.historiaegeografia.com/wp-content/uploads/2015/04/Guerra-Fria-Desenho.jpg (Acesso 28 de nov. 2016)

Ambas as potências fomentaram guerras civis, armaram grupos opositores aos sistemas que disputavam o poder, depuseram governos legitimamente eleitos impondo ditaduras capitalistas e socialistas mundo afora.
Assim aconteceu no Brasil na nossa ditadura militar aliada aos EUA, do mesmo modo como ocorreu na Argentina, no Chile e em quase toda a América Latina e em alguns países da África e da Ásia como na Coreia do Sul.
A União Soviética, por sua vez, implementava as ditaduras socialistas onde ganhava a competição com os EUA (como no caso cubano, chinês, angolano, norte-coreano, etc.). Vivíamos sob a sombra ameaçadora e medonhamente exemplar dos estragos feitos pelas bombas atômicas lançadas contra o Japão na II Guerra e nenhum outro país queria ser a próxima vítima. Todos nós – capitalistas e socialistas – tínhamos muito medo o tempo todo.

_ Ah... E onde entra a importância de Fidel e Cuba nessa história?

_ Se você não viveu essa época, tente imaginar: no auge da Guerra Fria, localizada ali, a pouco mais de 500 quilômetros do litoral da Flórida está Cuba, uma ilhota com cerca de 109 mil km², cujo governo ousou desafiar a maior potência capitalista, impondo às suas barbas, ou seja, no fundo do seu quintal, o regime da União Soviética sua maior inimiga. Mais que isso, com a ajuda dos soviéticos, o país prosperou mais que qualquer outro da América Latina. Dava inveja ver o quadro de medalhas dos atletas cubanos nas Olimpíadas, ladeados pela  União Soviética, Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha Ocidental, que eram os países mais poderosos do mundo. Enquanto a população cubana curtia o “luxo” de erradicar o analfabetismo, descobrir a cura para doenças como o vitiligo e desfrutar de três refeições diárias, aqui no Brasil, por exemplo, a seca periodicamente fazia milhares de vítimas, tombadas pela fome, desnutrição e desamparo.
E a fome não era "exclusividade" nordestina. Estava em todos os cantos do nosso país!

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgteY5bhVXPrvMz1j46CL7fC4ZX_oTI9hre2nIfxNkcl7ypw4bnwBzknDflsH1PzgHY3e5dkNscMn1DVSw0cMWJo3mPN5EAq0f73np3P2FIa8Nbeap8rdmU-vMNJwslctJSUeUB1lx1UnNI/s1600/19980506.jpg (Acesso 28 nov. 2016)

Foi aí que se sedimentou a admiração por Fidel e sua ilha. Se o socialismo havia lhes proporcionado avanços sociais, ele seria possível por aqui também!

_ Ah, mas lá havia as prisões arbitrárias de inimigos políticos, o cerceamento rigoroso das liberdades e a eliminação dos inimigos do regime. Escolas, professores, alunos, trabalhadores, todos eram ideologicamente controlados. Eram vizinhos vigiando e delatando vizinhos. Amigos delatando amigos. Você se pergunta, não é?

_ E eu respondo: sim. É verdade. Mas aqui, na Argentina, no Chile, no Peru, México, Venezuela... Do mesmo modo, isso também acontecia corriqueiramente durante as ditaduras.

Onde quero chegar? Reflita comigo, o que é a América Latina hoje? Tomemos o exemplo do Brasil: o nosso país, nesse final de 2016 vive uma democracia eleitoral, ou seja, está basicamente relacionada a alternância de poder promovida por eleições diretas. Mas se pensarmos bem, as nossas liberdades também são cerceadas pela violência urbana, pela desnutrição, pelo tráfico de drogas, pela manipulação midiática da opinião pública, pela corrupção empresarial que impede a livre competição tão defendida pelo capitalismo liberal, (vide, entre outros, os escândalos de corrupção empresarial e as viciadas licitações no Brasil, sempre vencidas pelas mesmas empresas que financiam campanhas de políticos de sucessivos governos, há décadas).

Comparando a nossa falta de liberdade à imposta pelo regime cubano, pode-se dizer que ele pelo menos livrou suas crianças do abandono, do analfabetismo, do uso de drogas, além de dar-lhes teto, algo que falta a algumas dezenas de milhões de nossa gente. (Isso, a meu ver, por enquanto! Estou certa de que essa aproximação de Cuba com os EUA vai se encarregar de levar as drogas, o excesso de lixo gerado pelo consumismo, a poluição, e todas as mazelas da sociedade de consumo e individualista para o povo cubano).

FONTE: https://politicaemimagens.files.wordpress.com/2015/07/frases-fidel-profecia.png (Acesso 28 nov. 2016)

Você pode dizer: 

_ Então você concorda que, se o povo tiver comida e uma condição social digna, a ditadura pode ser tolerada?

_ É claro que não! Ditaduras são sempre nefastas. Não há como defender ditadores, seja por que ângulo se avalie a sua truculência. Não é nesse o ponto que quero chegar. A reflexão que me proponho fazer baseia-se numa questão:

_ Nesse início de século XXI, me responda: entre as grandes potências que lideram o mundo, onde vigora a democracia e a plena liberdade? 

Onde está a liberdade econômica pregada pelos que comandam o mundo e insistem em fazê-lo neoliberal? 

Ora, ora... Não é no comércio recheado de subsídios e protecionismos governamentais de toda ordem, a fim de assegurar interesses vários das nações mais ricas. Nem é na concorrência desleal que promove a falência dos comerciantes, industriais menos capitalizados para garantir o monopólio dos grandes conglomerados.

Não é na política: vejamos Guantânamo onde, desde 2001 há presos incomunicáveis, acusados de terrorismo, que sequer foram julgados! Ou no Oriente Médio onde as guerras matam, mutilam e destroem inocentes para assegurar que os preços do petróleo não se elevem demasiadamente e prejudiquem a economia dos países ricos, maiores consumidores do produto. Ou tomemos como exemplo as últimas eleições presidenciais dos EUA - vistos por muitos como a "maior democracia do mundo", onde a candidata Hilary teve maioria dos votos diretos, mas que elegeu Trump pelo colégio eleitoral, desrespeitando a vontade soberana do povo.

Fonte: http://www.meedosite.com/wordpress/wp-content/uploads/2010/12/Assange-Time_sq.jpg (acesso em 28 nov. 2016)

Não é na liberdade de expressão. Vide os casos do ex. membro da CIA Edward Snowden e do jornalista Julian Assange, dois dos casos mais famosos de cerceamento da liberdade de expressão, e do grande número de jornalistas demitidos,  presos e/ou mortos tanto pelos governos "democráticos" do ocidente, quanto do oriente, por divulgar "verdades constrangedoras" sobre políticos, empresas, militares, reivindicações populares, etc. que influenciam a vida de todos nós.

Não é na liberdade individual: olhemos o recrudescimento de manifestações xenófobas, homofóbicas, na opressão contra a mulher, no tráfico de pessoas que ocorre livremente mundo afora, sem que o tema seja tratado com o devido rigor que exige e merece.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEii7qkNKU8BC5qTewdRnwCJG_ChhDHa5_rKn2HbDktauMIN8ga6smDKurkQWhmV3KsTwoAWdWDHu0TtONp0zttPYAmPsrGySbGDY5OspkhXHRB_Sye4Y82uQKxBkt3UpT_7H4gTidlQuw8/s1600/1111111.jpg (acesso 28 nov. 2016)

Como podemos ver em alguns poucos exemplos, a liberdade não é um “artigo” facilmente encontrado em nossos tempos. É algo pelo qual nós ainda teremos que lutar muito para conquistar. Portanto, bradar contra os desmandos e a ditadura cubana é algo legítimo, porque ela existe e tem que ser extirpada. Mas é recomendável parar de esconder os nossos rabinhos para falar do rabicó alheio, não acha?

Eu, Sílvia Castro, penso que o ideal romântico daquela esquerda revolucionária dos tempos da Guerra Fria fracassou ao ser colocado em prática! Aquela esquerda que tinha o propósito de dar amplo poder ao povo para conduzir o seu próprio destino, algo que foi sonhado pela minha geração foi derrotado sim. Fracassou feio!

Não porque fosse totalmente impossível praticá-lo, mas porque é difícil – para um ser humano comum, repleto de fragilidades morais – exercer o poder sem se deixar contaminar pela corrupção, pelos bajuladores, pelo dinheiro que vêm junto com ele.

O socialismo UTÓPICO, assim como o cristianismo, não são ideais a serem atingidos pelos fracos. Teremos que evoluir muito como seres humanos e como seres espirituais que somos, para se praticar qualquer um dos dois. Podemos e devemos tentar evoluir, mas não creio que nesse mundo e, principalmente nesse momento da história mundial, possamos atingir tal ideal, mas isso não significa abandonar a busca e as tentativas de se construir o mundo que sonhamos para nós e nossos filhos.
O que pretendo mesmo é deixar aqui uma reflexão: a liberdade não está disponível em Cuba. Isso é certo. Mas estará disponível entre nós?
Você tem certeza disso?

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