MINHA VIDA NO IRAQUE, NOS TEMPOS DE SADDAM HUSSEIN - EPÍLOGO
EPÍLOGO
Morar no Iraque foi uma das mais ricas experiências de vida que eu tive até hoje.
No Iraque de Saddam, os meninos iam para combate aos 16 anos. Praticamente crianças.
Não à toa que sentíamos sempre uma energia pesada no ar. É a energia da dor de pais, mães, filhos, amigos e amores que morreram por causas que, em muitos casos, desconheciam. Pessoas que deixaram esse mundo antes de concretizarem seus sonhos mais simplórios como o de flertar com aquele primeiro amor, ir para a escola com amigos, comemorar um aniversário em família, ficar de bobeira ouvindo música num sábado de manhã...
Essa foi uma situação difícil de suportar. Por
outro lado, o Iraque me deu uma família que, em boa parte, ainda segue comigo.
Obviamente,
os tempos sombrios que nos impuseram essa energia da violência e da destruição,
do cristianismo sem Cristo, nesse Brasil de 2022, abandonado à própria sorte, também
interferiram nessa família ali constituída. Sim, entre nós, há aqueles que
apoiam a barbárie bolsonarista e é certo que isso nos afastou de muitos desses
amigos/família feitos nos tempos do Iraque.
Enfim,
não há muito que se possa fazer nesse quesito, a não ser desejar que a luz
volte a brilhar sobre todos nós. Fato é que os que sobraram, viraram mais que
família. Viraram alicerce. Mãos estendidas e entrelaçadas num amor e respeito
ainda mais potentes que o que tivemos até então. Não está sendo de todo ruim
não. Pelo menos, sabemos que, com esses que também fazem opção pela justiça social, pelo respeito à diversidade, pelo amor e pela solidariedade, podemos contar de verdade.
Quanto
ao Iraque, aquele país tão lindo e de cultura riquíssima, esse parece ter quase
desaparecido sob os escombros resultantes das investidas estadunidenses e de
seus aliados.
É
certo que Saddam nunca foi o líder que qualquer país tenha sonhado ter.
Sim, Saddam modernizou o Iraque, deu mais espaço para as mulheres, investiu na educação e na infraestrutura do país, mas cobrou um preço altíssimo que qualquer sociedade deveria se recusar a pagar. Mas a sociedade iraquiana pagou com o sangue dos iraquianos xiitas e de parte considerável da bela população curda. A alcunha de "carniceiro de Bagdá" sempre lhe coube muito bem.
O
povo iraquiano que não estava acostumado a viver acossado pelas ameaças do
terrorismo suicida e dos carros-bomba, hoje vive sob o espectro do terror. Além
disso, está empobrecido, sem perspectiva de qualquer futuro dentro do próprio
país e muitos, que ainda resistem, só o fazem pela absoluta falta de opção e/ou
oportunidade de se mudar para qualquer outro lugar que os aceitem ou até mesmo
aquele lugar que vai lhes discriminar, mas onde eles não terão que viver no fio
da navalha o tempo inteiro.
Hoje
eu só desejo que Alá lhes abra seus braços e que, com a ajuda Dele, eles
consigam fazer um país digno dos filhos que abriga.
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Coisa mais bonita de ler! Saudades do meu tempo lá.
ResponderExcluirExperiência forte prima ...
ResponderExcluirSílvia, adorei!!!
ResponderExcluirÉ desses afetos genuínos que o mundo precisa!