MINHA VIDA NO IRAQUE, NOS TEMPOS DE SADDAM HUSSEIN - EPÍLOGO

 EPÍLOGO

Morar no Iraque foi uma das mais ricas experiências de vida que eu tive até hoje.

Foi sofrido em muitos aspectos, pois, como já disse anteriormente, não é fácil viver num país em guerra. Não é fácil viver sob a energia da morte de milhares de jovens que jamais escolheriam matar e morrer por causas alheias, para manter as estruturas do poder, no qual alguns poucos se mantêm no topo, a custa do sangue de vítimas inocentes e muito, muito jovens. 

No Iraque de Saddam, os meninos iam para combate aos 16 anos. Praticamente crianças. 

Não à toa que sentíamos sempre uma energia pesada no ar. É a energia da dor de pais, mães, filhos, amigos e amores que  morreram por causas que, em muitos casos, desconheciam. Pessoas que deixaram esse mundo antes de concretizarem seus sonhos mais simplórios como o de flertar com aquele primeiro amor, ir para a escola com amigos, comemorar um aniversário em família, ficar de bobeira ouvindo música num sábado de manhã...

Visita de professores iraquianos à nossa escola (Agosto 1987). 

Essa foi uma situação difícil de suportar. Por outro lado, o Iraque me deu uma família que, em boa parte, ainda segue comigo.

Obviamente, os tempos sombrios que nos impuseram essa energia da violência e da destruição, do cristianismo sem Cristo, nesse Brasil de 2022, abandonado à própria sorte, também interferiram nessa família ali constituída. Sim, entre nós, há aqueles que apoiam a barbárie bolsonarista e é certo que isso nos afastou de muitos desses amigos/família feitos nos tempos do Iraque.


Olimpíadas do Colégio Pitágoras Sifão - 1987. À frente Ademir (foi meu padrinho de casamento) e logo atrás Valéria Loest (artista, professora sensacional e uma grande irmã que o Iraque me deu, cujos laços se estreitaram nesses tempos bicudos de agora). 

Enfim, não há muito que se possa fazer nesse quesito, a não ser desejar que a luz volte a brilhar sobre todos nós. Fato é que os que sobraram, viraram mais que família. Viraram alicerce. Mãos estendidas e entrelaçadas num amor e respeito ainda mais potentes que o que tivemos até então. Não está sendo de todo ruim não. Pelo menos, sabemos que, com esses que também fazem opção pela justiça social, pelo respeito à diversidade, pelo amor e pela solidariedade, podemos contar de verdade.


Equipe de professores do Colégio Pitágoras Sifão (Iraque 1987)

Quanto ao Iraque, aquele país tão lindo e de cultura riquíssima, esse parece ter quase desaparecido sob os escombros resultantes das investidas estadunidenses e de seus aliados.

É certo que Saddam nunca foi o líder que qualquer país tenha sonhado ter.

Sim, Saddam modernizou o Iraque, deu mais espaço para as mulheres, investiu na educação e na infraestrutura do país, mas cobrou um preço altíssimo que qualquer sociedade deveria se recusar a pagar. Mas a sociedade iraquiana pagou com o sangue dos iraquianos xiitas e de parte considerável da bela população curda. A alcunha de "carniceiro de Bagdá" sempre lhe coube muito bem.


O povo iraquiano que não estava acostumado a viver acossado pelas ameaças do terrorismo suicida e dos carros-bomba, hoje vive sob o espectro do terror. Além disso, está empobrecido, sem perspectiva de qualquer futuro dentro do próprio país e muitos, que ainda resistem, só o fazem pela absoluta falta de opção e/ou oportunidade de se mudar para qualquer outro lugar que os aceitem ou até mesmo aquele lugar que vai lhes discriminar, mas onde eles não terão que viver no fio da navalha o tempo inteiro.


Eu sou muito grata àquela gente iraquiana, por quem guardo um amor incondicional. Tenho um carinho muito especial por aquele povo que me acolheu e permitiu que eu conhecesse o seu país, sua cultura, suas mazelas, seu jeito de ser. E sinto uma profunda tristeza de vê-los perdidos, abandonados e desesperançados no porvir.

Hoje eu só desejo que Alá lhes abra seus braços e que, com a ajuda Dele, eles consigam fazer um país digno dos filhos que abriga.

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