ESTADO ISLÂMICO: VERDADES CONSTRANGEDORAS
Os atentados ocorridos em Paris, no dia 13 de novembro
de 2015, mais uma vez provocaram grande comoção no mundo inteiro, algo
perfeitamente normal. Afinal, independentemente do lugar onde ocorra a
violência e a perda de vidas, seja uma vida ou um milhão, tem que provocar a
nossa indignação. Esta é a reação esperada entre os humanos que não se deixaram
desumanizar pela banalização da violência e desvalorização da vida que nos
cerca cotidianamente e em quase todo o planeta.
O que incomoda é saber que o mundo inteiro está refém
de suas próprias atitudes e de sua indiferença frente ao sofrimento de milhões de
seres humanos, que vivem à margem de todos os avanços alcançados pela sociedade
"moderna". Sofremos pelos mortos em Paris, mas continuamos
indiferentes ao sofrimento, que mata milhares de pessoas todos os dias, causado
por inúmeras outras formas de violência.
Antes que cheguem acusações e agressões de toda ordem
sobre o que foi dito acima, fato corriqueiro em tempos de comunicação via redes
sociais, é preciso deixar claro que, NADA justifica esse ou qualquer outro tipo
de uso da força, venha de onde vier: seja dos exércitos, de milícias, de
indivíduos solitários ou de grupos terroristas. O tempo e a história já
provaram que a paz não pode ser construída por outro meio que não seja o
diálogo e o respeito às diferenças.
No caso específico dos radicais do Estado Islâmico
causa assombro o seu poder de convencimento de jovens de etnias e classes
sociais diversas e que, em número crescente, nem muçulmanos são (ou eram) e,
ainda assim, se juntam ao grupo em defesa de causas que, de fato, são reais. Isso
mesmo. Os jihadistas do EI lutam por causas verdadeiras que podem ser
facilmente identificadas por todos nós, ainda que não sejamos grandes
conhecedores da geopolítica internacional ou dos mecanismos que controlam a
economia mundial, especialmente, do mundo pós Guerra Fria. Talvez isso explique sua expansão territorial.
Fonte: http://www.nadelson.com.br/wp-content/uploads/Mapa-Iraque-revista-size-575.jpg (acesso 21 nov. 2015)
Os serviços de inteligência europeus têm monitorado
sites da internet e instalado escutas telefônicas, para tentar bloquear o aliciamento
de jovens europeus, que se tornaram alvos fáceis dos radicais do EI. Em mais de
uma dessas conversas fica claro o poder de convencimento de garotas e garotos
adolescentes ou que mal saíram da adolescência, a partir de argumentos
facilmente comprovados pela sociedade mundial.
Eles conclamam os jovens a lutar, basicamente, contra
o massacre a que palestinos, iraquianos e sírios foram e continuam sendo
submetidos por seus opressores:
· Bashar Al Assad –
presidente da Síria (que respondeu com força descomunal às manifestações por
mais democracia repetindo, em seu país, a abortada "Primavera Árabe"
que teve início na Tunísia e se espalhou pelo norte africano até chegar ao
Oriente Médio);
· O governo
israelense (que responde com mísseis aos ataques terroristas do Hamas ou às
pedradas dos garotos palestinos que vivem nos campos de refugiados da
Cisjordânia e da Faixa de Gaza)
· E as nações
desenvolvidas da Europa e os Estados Unidos (que utilizam seu poderio econômico
e militar para fazer manobras geopolíticas e econômicas, que atendam seus
interesses, ampliando cada dia mais, sua ingerência na política interna e na
economia de países pobres e emergentes).
Ninguém, em sã consciência pode dizer que esses
motivos sejam delírios dos extremistas. São causas reais. É assim mesmo que o
mundo contemporâneo vem funcionando. Claro que isso não justifica a barbárie promovida pelo EI.
Militante do Estado Islâmico e a bandeira do grupo extremista em um desfile militar
Fonte: http://og.infg.com.br/in/13740434-07d-0d3/FT1500A/550/2014-741436237-20140701054602783rts.jpg_20140812.jpg (acesso em 21 nov. 2015)
Entretanto, são esses motivos que vêm ajudando os jihadistas a conquistarem adeptos para a sua luta. O poder de convencimento dos jovens do EI ganha força amparado por alguns fatores que devem ser avaliados e que devem ser revertidos, caso a sociedade mundial, de fato, queira impedir o ingresso de um número crescente de jovens de todo o mundo em suas fileiras. Entre esses fatores, destacam-se:
Ø A falta de perspectiva e de ideais dos jovens
inseridos nessa sociedade de consumo cada vez mais individualista que estamos
construindo: é fato que, ao contrário dos jovens de gerações passadas, os
jovens dos países europeus e de alguns países emergentes não precisaram lutar
por causas mais próximas a sua realidade tais como a luta pela liberdade
sexual, pela emancipação feminina, por direitos trabalhistas, pelo acesso à
educação, contra ditaduras locais, entre outros.
Ainda que se proclame
que esses ideais estejam longe se terem sido amplamente atingidos no mundo,
existem países desenvolvidos (poucos ainda) onde os mesmos já estão
consolidados. Nos demais países, se ainda não foram concretizados, deve-se à
ingerência dos países centrais e de seus parceiros econômicos que dificultarão
a efetivação dessas aspirações, caso isso signifique sacrificar seus interesses
político-econômicos e geopolíticos, fortemente dependentes da submissão dos
povos e dos governos dos países periféricos, manipulando tudo e todos como
peças de um jogo de tabuleiro.
Ø A banalização da violência no mundo inteiro e a
crescente indiferença que esse fato produz em cada um de nós: a internet, o
telefone celular, as TVs trazem até nós vídeos e imagens diversas de pessoas
sofrendo algum tipo de violência a todo instante. Basta acessá-los. Separados pela
tela, que não permite que sintamos, por exemplo, o cheiro do sangue, a cena
causa cada vez menos impacto entre os telespectadores, até porque, os episódios
de violência se sucedem nas telas das TVs. Sejam os da vida real ou da ficção,
deixando-nos meio anestesiados. É como se assistíssemos a uma competição de um
jogo de videogame qualquer.
Ø A indiferença mundial frente aos permanentes episódios
de violência diária sofrida pelos povos muçulmanos, especialmente as mulheres:
o mundo inteiro sabe das excisões (mutilação genital) a que são submetidas as
mulheres islâmicas na África e no Oriente Médio. Sem assepsia ou qualquer tipo
de anestesia, a excisão tem o obje tivo de impedir que elas sintam prazer sexual, ou seja, um coquetel
de violência e desrespeito às mulheres não relatados em nenhum outro tipo de
prática "religiosa". Isso sem contar a forte opressão vivida,
cotidianamente, pela maioria das muçulmanas.
Ø A exclusão dos filhos de imigrantes das ex. colônias europeias
aos benefícios alcançados pelas sociedades locais: além de não terem acesso a
serviços (moradia, condições de trabalho, de salário, etc.) de qualidade
equivalente ao oferecido aos "nativos", ainda são alvos de
discriminação e de xenofobia. Mesmo tendo a cidadania local. São jovens que
julgam ter nada ou pouco a perder, tornando-se alvos fáceis para os
extremistas.
Ø A busca de um ideal que dê sentido à vida de jovens
europeus bem nascidos e de boa situação econômico-financeira: a existência de
garotas e garotos bem nascidos, de famílias bem estruturadas e afetuosas, que estão sendo aliciados pelo EI é a mais nova descoberta dos serviços de inteligência
europeus. Esse é um fator que vem confundindo os analistas e os psicólogos que
trabalham nas ONGs que tentam dissuadir aqueles jovens nessa condição social e
familiar, que foram pegos em conversas via telefone e internet antes de
embarcarem, de livre e espontânea vontade para a Síria. As dificuldades
encontradas para desconstruir a ideia de que esses jovens europeus não devem
ingressar numa luta em um lugar distante, com pessoas desconhecidas e com
propósitos escusos têm desafiado pais, professores, psicólogos e até mesmo
parentes de vítimas aliciadas pelo EI, que tentam convencer outros jovens a não
incorrerem no mesmo equívoco.
O que intriga, no último caso, é o fato de termos um
número crescente de jovens, especialmente do sexo feminino. Segundo o
documentário "Fugindo do EI", exibido pelo Globo News, o grupo está em
busca de mulheres para serem escravas sexuais, para casamento compulsório, e
para seu exército de suicidas, já que elas são menos visadas para esse tipo de
ação. A partir dos nove anos de idade, segundo os líderes do EI – a religião os
autoriza a casar e ter relações sexuais com "mulheres" dessa faixa
etária e superior a essa.
Jovens ocidentais que se aliaram, "espontaneamente" ao Estado Islâmico.
Fonte: http://www.pragmatismopolitico.com.br/wp-content/uploads/2015/03/jovens-ocidentais-que-se-aliaram-ao-estado-islamico.jpg (Acesso em 21 nov. 2015)
Ouvindo o relato de uma garota francesa, fica claro que seu propósito está de acordo com a educação que ela recebeu e que a maioria dos bons pais deu aos seus filhos, cultivando valores ligados à solidariedade, à busca pela justiça, ao trabalho em prol de pessoas mais vulneráveis...
Numa conversa interceptada pela inteligência francesa,
o aliciador diz:
"Estamos lutando contra aqueles que subjugam os
mais fracos. O mundo não pode ser tão injusto com tanta gente. Você não acha
que todos deveriam ter direito à vida que você tem?"
Ao que a garota responde:
"Sim. Eu quero ajudar o mundo a melhorar. Eu posso
fazer isso."
E o aliciador completa:
"É esse o desejo de Alá, que a gente combata quem
impede que a justiça seja estabelecida no mundo. Alá manda que os infiéis sejam
eliminados. Só assim a justiça vencerá".
Para um jovem em formação, que busca um sentido na
vida e que tem alguma sensibilidade social esse é um apelo muito forte. E é aí
que nós teremos que agir. Todos nós pais, educadores, adultos solteiros e
casados, com ou sem filhos temos que nos apressar, porque, mesmo estando tão
longe da Síria, do Iraque ou de Paris, esse também é um problema nosso. A internet
nos liga ao mundo inteiro e, para impedir o aliciamento dos nossos filhos a
única barreira possível é o nosso diálogo franco, sem rodeios, mas com afeto e
com muita informação para formar argumentos convincentes e sólidos. Coisas cujo
alcance é possível com uma boa estrutura familiar e social. Essa pode ser uma
excelente oportunidade para todos nós. Está na hora das famílias e dos adultos
responsáveis responderem a chamada e se fazerem presentes. Somos imprescindíveis nesse processo. A paz não poderá ser
construída com o nosso silêncio.
Excelente, como sempre, o seu texto Silvia. Os jovens como muitos de nós estão cansados da ordem mundial estabelecida o problema é que a juventude é muito influenciável. Veja no Brasil a quantidade de jovens que segue o Deputado Jair Bolsonaro e ainda o consideram um mito. Os jovens querem mudanças ainda que por caminhos tortos.
ResponderExcluirExcelente, como sempre, o seu texto Silvia. Os jovens como muitos de nós estão cansados da ordem mundial estabelecida o problema é que a juventude é muito influenciável. Veja no Brasil a quantidade de jovens que segue o Deputado Jair Bolsonaro e ainda o consideram um mito. Os jovens querem mudanças ainda que por caminhos tortos.
ResponderExcluirEsta situação exige providências urgentes. Me pergunto, Roni, como sairemos dessa em curto espaço de tempo?
ResponderExcluirMuito bom. Mas acho que nao adianta chamar a atencao dos pais. A geracao dos pais esta perdida. Eu ja nao tenho esperancas que a mudanca da qual necessitamos vira de dentro das casas e de cima para baixo. Vai ter que ser um choque de realidade, embora invadir um pais e tentar mudar uma cultura nao eh o passo correto e pode ser visto com imperialismo. Acho que a mudanca vai ter que nascer de fora pra dentro e nas criancas. Assisti outro dia um documentario onde um bailarino faz com que criancas israelenses e palestinas dancem juntas. Eh uma licao de beleza. So quando houver amizade, convivio e casamentos inter-religiosos poderemos vencer essa batalha.
ResponderExcluirO documentario esta no netflix. Eh esse aqui: http://www.huffingtonpost.com/2014/08/24/dancing-in-jaffa_n_5682927.html